De acordo com o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, o processo penal brasileiro possui fases bem definidas, sendo a decisão de pronúncia um marco essencial quando se trata de crimes dolosos contra a vida. Essa fase não representa um juízo definitivo de culpa, mas sim uma análise preliminar para avaliar se há indícios mínimos de autoria e materialidade. Um caso recente que ilustra bem a aplicação desse critério é o Recurso em Sentido Estrito, julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Entenda como o magistrado proferiu uma decisão emblemática ao votar pela impronúncia de um dos acusados por ausência de prova judicializada que indicasse a autoria do crime.
A natureza da decisão de pronúncia e o papel do juiz na fase do juízo de admissibilidade
A decisão de pronúncia, prevista no artigo 413 do Código de Processo Penal, exige apenas a presença de indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do crime. Não se trata de um julgamento definitivo, mas de uma filtragem prévia que determina se o caso deve seguir para apreciação do Tribunal do Júri. No entanto, essa análise deve respeitar estritamente o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, evitando que o réu seja submetido a julgamento popular com base apenas em conjecturas ou provas frágeis.

O Desembargador Alexandre Victor de Carvalho, ao analisar o recurso interposto por um dos réus, destacou que a imputação feita ao acusado baseava-se exclusivamente em testemunhos indiretos, obtidos por meio de “ouvi dizer”. Nenhuma das testemunhas ouvidas em juízo afirmou ter presenciado diretamente a participação do réu nos fatos, o que torna a prova extremamente frágil. Para o magistrado, não é admissível encaminhar um cidadão ao Tribunal do Júri com base apenas em elementos colhidos na fase inquisitorial.
A crítica à prova testemunhal indireta (“hearsay testimony”)
O Desembargador Alexandre Victor de Carvalho fez uma análise aprofundada do valor da prova testemunhal no processo penal, especialmente quando se trata de testemunhas que não presenciaram o fato diretamente. Segundo o relator, declarações que apenas repetem informações obtidas de terceiros não têm força suficiente para fundamentar uma pronúncia. Ele cita, inclusive, doutrina de Aury Lopes Jr., que adverte sobre os riscos da chamada “hearsay testimony”, por sua fragilidade e alta possibilidade de distorção dos fatos.
Nesse contexto, o desembargador reiterou que a decisão de pronúncia deve ser sustentada exclusivamente por provas produzidas em juízo, sob o crivo do contraditório. Aceitar relatos informais, rumores ou declarações extrajudiciais como base para encaminhar alguém ao Tribunal do Júri fere gravemente o devido processo legal. Para o magistrado, a ausência de provas concretas e judicializadas não pode ser suprida pela gravidade do crime ou pela comoção social que ele possa causar.
A fundamentação para a impronúncia e a preservação das garantias constitucionais
Com base no artigo 414 do Código de Processo Penal, o Desembargador Alexandre Victor de Carvalho concluiu que a impronúncia era medida necessária, diante da ausência de indícios suficientes de autoria. A decisão foi fundamentada na premissa de que não se pode colocar alguém sob julgamento popular sem que exista um mínimo de certeza sobre seu envolvimento no fato. Como ressaltado pelo relator, a imputação deve ser sustentada por provas produzidas de forma regular e lícita.
A decisão do desembargador também reafirma a importância do sistema bifásico do procedimento do júri. O magistrado questiona, inclusive, a lógica de se manter uma fase de instrução se, ao final, admite-se uma pronúncia baseada apenas em elementos inquisitoriais. Para ele, permitir tal prática seria esvaziar o sentido do contraditório e da ampla defesa, pilares do Estado Democrático de Direito.
Conclui-se assim que a decisão do Desembargador Alexandre Victor de Carvalho no Recurso em Sentido Estrito nº 1.0024.17.134154-8/001 representa um importante precedente em defesa das garantias processuais penais. Em tempos de pressões sociais por condenações imediatas, decisões como essa demonstram a maturidade e a responsabilidade de magistrados que compreendem a gravidade do ato de submeter alguém ao Tribunal do Júri.
Autor: fred Kurtz